O Ministério Público da Bahia está apurando denúncias de irregularidades no Programa Bolsa Família no município de São Desidério, envolvendo um secretário municipal e um vereador, além de outros funcionários
públicos. Até a próxima semana deverá ser concluída uma sindicância em âmbito municipal, aberta por determinação do prefeito Zito Barbosa (PMDB), para apurar as responsabilidades. Os servidores estão afastados até o desfecho do caso.
A acusação junto ao MP de São Desidério foi feita pelo suplente de vereador Waldik Rodrigues de Souza (PT), que diz ter localizado o nome do filho do secretário municipal de Meio Ambiente e Turismo Demósthenes Silva Nunes Junior como beneficiado do Bolsa Família no mês de julho deste ano, bem como dois filhos do casal Helton Lopes da Costa, vereador pelo PP e Maria Evilene da Costa de Souza Lopes, professora municipal. Também cita dois filhos do servidor público Alcivando José de Souza.
Segundo o suplente de vereador, os salários dos pais desqualificam as famílias para receber os benefícios, “pois ultrapassam em muito os valores estabelecidos pelas normas que regulamentam o programa, criado para apaziguar as necessidades de pessoas que se encontram em situação de pobreza”. No documento encaminhado à Promotoria, ele destaca que o salário do secretário é de R$ 5 mil, do vereador R$ 3 mil e do servidor Alcivando R$ 1.500. Destes valores, apenas não se confirma o de Alcivando, que conforme documento encaminhado ao MP pela administração municipal, tem salário de R$ 627,20.
De acordo o promotor de justiça de São Desidério, Sinval Castro Vilasboas, alguns documentos solicitados ainda não foram remetidos à ele, que precisa analisar a competência de cada um, principalmente no tocante à inserção dos dados no Cadastro do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). No entanto, afirma que pelos procedimentos iniciais, há fortes indícios de que a maioria não se enquadra no perfil das famílias que podem usufruir do Bolsa Família.
Coordenador estadual do programa Bolsa Família, Augusto Sérgio São Bernardo diz que espera uma confirmação da Caixa Econômica Federal (CEF) sobre os saques efetivamente realizados, para encaminhar os dados ao MP e ao Tribunal de Contas da União. Ele acrescenta que a prefeitura “que é responsável pelo cadastramento” já comunicou o bloqueio dos nomes como medida preventiva.
“É preciso ser muito criterioso nas avaliações, para não fazer julgamentos precipitados”, salienta a secretária municipal de Assistência Social, Gabriela Nogueira. Ela destaca que todas medidas cabíveis foram adotadas e que tem até 31 de outubro para responder ao MDS sobre possíveis falhas na distribuição dos recursos. Para o prefeito, Zito Barbosa, havendo a comprovação de ilícito pela sindicância municipal, será instaurado processo administrativo disciplinar, seguido da demissão dos envolvidos.
Além dos servidores já citados, também Rodinei Martins Sudré está afastado e é investigado, pois por quatro anos foi responsável pelos cadastros no município, período em que teriam sido feitos os registros nos quais são apontadas as irregularidades. Segundo o secretário afastado, Demósthenes Júnior, há menos de um mês ele tomou conhecimento que seu filho consta na relação de beneficiados. Ele afirma que a mãe do menino, Carmen Lúcia de Souza, tem outro garoto de um relacionamento anterior, que já constava como favorecido do Bolsa Família “e quando meu filho nasceu, foi automaticamente cadastrado”, enfatiza, acrescentando que tão logo teve ciência do fato, pediu o cancelamento.
O presidente da Câmara de Vereadores, José dos Santos Oliveira (PMDB), em resposta ao MP, informa que o vereador Helton tem salário base de R$ 3.715 e que está tomando as medidas cabíveis para a total devolução do valor recebido. Mulher do vereador, a professora Maria Evilene alega desconhecimento das normas reguladoras do programa e diz que o cadastro dos filhos foi feito quando o marido ainda não era vereador (pois assumiu em janeiro deste ano). “Se eu soubesse, já tinha desligado antes”, salienta.
Sem benefício -
Para a dona de casa Tereza Maria de Santana, 65 anos, “é uma injustiça pessoas que nem precisam receber, estarem na lista, enquanto que eu já cansei de andar atrás deste cartão do Bolsa Família”. Ela afirma que a renda da casa é a soma da aposentadoria de um salário mínimo do marido e uma mesada de R$ 300 que recebe do pai dos quatro netos que ela cuida. Na casa, segundo dona Tereza, moram ainda duas filhas jovens “que não conseguem arrumar trabalho, porque aqui é fraco de emprego”.
Afirmando ter dias em que passa apertado “para dar de comer para todo mundo”, dona Tereza diz que faz geladinho para os netos venderem, depois que voltam da escola. “Esses dias me chamaram no Conselho Tutelar e disseram que não posso deixar eles na rua vendendo nada. Mas, o que vou fazer se não tenho outra alternativa? Ainda acho melhor eles me ajudando, do que fazendo malandragem por aí”, enfatiza, acrescentando, porém, que nunca perdeu a esperança de voltar a receber o benefício “que me disseram que eu perdi porque meu marido se aposentou”.
Conforme a secretária municipal de Assistência Social, não deve ter sido esse o motivo da perda “pois se a renda per capita é inferior a R$ 140, a aposentadoria não tem interferência. Isto na verdade é um mito e podem ser muitas as causas da perda do direito ao auxílio, como o não cumprimento de ações do setor da saúde e da educação”. Gabriela Nogueira destaca ainda que quem faz a checagem dos dados repassados pelos municípios é o governo federal, “que também é responsável pelo bloqueio dos benefícios”.
O município, conhecido como o maior produtor brasileiro de algodão, é o segundo em extensão territorial do estado, com 14.820 km². Com cerca de 26 mil habitantes tem 4.098 famílias cadastradas na base de dados, atingindo cerca de 16 mil pessoas. Até o momento tem 2.020 famílias recebendo o benefício, porém, 3.379 se enquadram no perfil do Programa, segundo dados da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania. De acordo com a secretária, esse ano o governo federal disponibilizou mais 677 cartões que ainda estão sendo distribuídos.
Fonte: A tarde